5 de junho de 2014

Amor otimista

Na melhor das hipóteses muito sofrerei. Com muita sorte terei mil desilusões amorosas. Se tudo der certo, passarei noites me revirando na cama pensando: "Por quê?". E muitos amores virão e depois irão embora e sempre no esquema do eterno enquanto dure. Um melhor que o outro. Outro pior que aquele.

2 de junho de 2014

Vingança planejada

O menino vivia em cima das árvores, num piscar de olhos e lá estava ele no galho mais alto do pé de caju. A mãe não sabia mais o que fazer, quase não tinha voz de tanto gritar todos os dias com seu pequeno.
- Menino, desce daí. Tu não é o Tarzan não!
- Eu já sou acostumado. Faço isso todo dia. - ralhava o garoto, todo orgulhoso de suas peripécias.
E não teve outro jeito a não ser mandar cortar todas as plantas do quintal. Todas menos um micho pé-de-limão.
- Pronto, agora quero ver tu me agoniar o juízo com essa tua mania de viver trepado. - disse ela, em tom de vitória.
- Eu não acredito, a senhora derrubou tudo! Eu amava aqueles pés-de-manga e o pé-de-caju. - reclamou o moleque com a voz embargada.
- Eu te avisei que um dia eu ia fazer uma contigo, tu não me obedece.
- Devia ter cortado tudo logo, foi deixar só esse limoeiro sem graça.
- Deixa ele lá, vou usar os limões pra fazer meus temperos e pra misturar com alho e fazer teus remédios. Tu só vive gripado.
- Fruta "réa" sem graça. E não dá nem pra subir nele. - completou caindo no choro e logo correndo para seu quarto.
A árvore que ficara era baixinha e perdida no meio das outras que antes moravam ali. A mãe do garoto tinha plantado bem depois que ele nasceu, e o menino mal tinha cinco anos. Muitos dias se passaram e ele vivia triste e trancado no seu quarto. Quando chegava da escola ia direto se entocar no seu cantinho, saudoso e em luto pelo o que sua mãe tinha feito. Sem saber o que fazer, a mulher resolveu apelar pro gênio do pequeno vingativo que ela sabia que tinha.
- Meu filho, vamos conversar. Eu deixei aquele pé-de-limão ali, porque foi seu avô que plantou ele, há muito tempo atrás, antes mesmo de eu nascer e eu gosto muito dele.
- Pois espero que as lagartas vejam ele e resolvam ficar por la, comendo folha por folha. - falou sério e pausadamente.
- Nossa, menino. Credo! Como você é ruim.
- Ruim é a senhora, que destruiu minha alegria de todos os dias. - retrucou ensaiando um choro.
-Pois vamos fazer assim: eu vou cortar aquele pé-de-limão que você não gosta, mesmo que isso me doa muito, e ficamos quites. - falou com um profundo pesar forçado, atuação digna de novela mexicana.
O garoto abriu um sorriso no canto da boca e concordou com a decisão da mãe. A mulher foi logo pegando um machado e golpeando forte a pequena árvore que nada tinha com a história toda. Mas pagou por não ser tão bonita e frondosa, uma das queridas do menino. E ele ficou feliz de novo por ter vingado suas plantinhas. Como é difícil educar os filhos.

Coletividade feliz

Chega de felicidade-passageira. Bom mesmo é a felicidade-motorista. Aquela que vai desde o início da jornada até o fim. Não somente passa um punhado de minutos com a bunda grudada no assento preferencial sem ter o menor direito de estar ali. E ainda causa tumulto e bate-boca no coletivo, cheia da razão quando alguém reclama seu lugar. A felicidade-cobrador também fica por toda viagem, do primeiro ao último ponto, tem até seu charme. Mas é passível a qualquer mudança que o motorista faça, pode até saber a direção, mas não manda no sentido. E felicidade tem que ter sentido. Por isso, deve-se escolher sempre aquela que lhe acompanha até o fim e só te deixa na hora de encerrar tudo e voltar para dormir na garagem. Mas que no outro dia vai estar junta novamente, passando por todos os pontos que forem precisos.

Maria Felicidade

Quem pediu pra ir primeiro? No meio da correria, Maria já estava lá no alto da roda gigante. E sorria e esgotava tristeza naquele infinito céu azul. A brisa ajudava a compor a cena e ela ficava ainda mais radiante com o movimento de seus cabelos negros, que faziam uma moldura no rosto igualmente escuro. Nunca foi de muita felicidade, mas aquele momento era só seu. Lá no alto. Na roda gigante. E olhava para cima, nunca pra baixo. E as outras crianças irrequietas já não sabiam mais o que eram as luzes da roda e o que era Maria. Ela brilhava e não tinha por que não ser assim. Mas o brinquedo cansado de picos tão altos foi ensaiando uma descida e Maria assustada fechou sua feição. As crianças a olhavam torto lá embaixo. Ela tinha furado a fila, vejam só a esperta menina. E veio ao chão suave. Mas não se fez de rogada, desceu e correu para o final da fila, na esperança que algum colega a sua frente se distraísse pra que ela pudesse tomar de novo seu lugar. Pois ela sabia que a felicidade não esperava por ninguém e todos os outros que desculpassem sua sede em ser feliz. Corre, Maria. Toma tua roda gigante e sobe o mais alto que tua felicidade puder alcançar.